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quarta-feira, 14 de outubro de 2009

É brincando que se aprende!!!




O professor Pardal gostava muito do Huguinho, do Zezinho e do Luizinho, e queria fazê-los felizes. Inventou, então, brinquedos que os fariam felizes sempre, brinquedos que davam certo sempre: uma pipa que voava sempre, um pião que rodava sempre e um taco de beisebol que acertava sempre na bola. Os três patinhos ficaram felicíssimos ao receber os presentes e se puseram logo a brincar com seus brinquedos que funcionavam sempre. Mas a alegria durou pouco. Veio logo o enfado.
Porque não existe nada mais sem graça que um brinquedo que dá certo sempre. Brinquedo, prá ser brinquedo, tem de ser um desafio.
Um brinquedo é um objeto que, olhando para mim, me diz: “Veja se você pode comigo!” O brinquedo me põe à prova. Testa as minhas habilidades. Qual é a graça de armar um quebra cabeças de 24 peças? Pode ser desafio para um criança de 3 anos, mas não para mim. Já um quebra-cabeças de 500 peças é um desafio. Eu quero juntar as suas peças! E, para isso, sou capaz de gastar meus olhos, meu tempo, minha inteligência, meu sono...
Qualquer coisa pode ser um brinquedo. Não é preciso que seja comprado em lojas.
Na verdade, muitos dos brinquedos que se vendem em lojas não são brinquedos, precisamente por não oferecerem desafio algum. Que desafio existe numa boneca que fala quando se aperta a sua barriga? Que desafio existe num carrinho que anda ao se apertar um botão? Como os brinquedos do professor Pardal, eles logo perdem a graça. Mas um cabo de vassoura vira um brinquedo se ele faz um desafio: “Vamos, equilibre-me em sua testa!” Quando eu era menino eu e meus amigos fazíamos competições para saber quem era capaz de equilibrar um cabo de vassoura na testa por mais tempo. O mesmo acontece com um corda no momento em que ela deixa de ser coisa para se amarrar e passa a ser coisa de se pular. Laranjas podem ser brinquedos? Meu pai era um mestre em descascar laranjas sem arrebentar a casca e sem ferir a laranja. Para o meu pai a laranja e o canivete eram brinquedos. Eu olhava para ele e tinha inveja. Assim, tratei de aprender. E ainda hoje, quando vou descascar uma laranja, ela vira brinquedo nas minhas mãos ao me desafiar: “Vamos ver se você é capaz de tirar a minha casca sem me ferir e sem deixar que ela arrebente...”
Para um alpinista o Aconcágua é um brinquedo: é um desafio a ser vencido. Mas um morrinho baixo não é brinquedo porque é muito fácil; não é desafio. Ao escalar o Aconcágua ele está medindo forças com a montanha ameaçadora! E pelo desafio dos picos os alpinistas arriscam as suas vidas, e muitos morrem.
Parodiando o Riobaldo: “Brincar é muito perigoso...”
Há brinquedos que são desafios ao corpo, à sua força, habilidade, paciência...
E há brinquedos que são desafios à inteligência. A inteligência gosta de brincar. Brincando ela salta e fica mais inteligente ainda. Brinquedo é tônico para a inteligência. Mas se ela tem de fazer coisas que não são desafio, ela fica preguiçosa e emburrecida. Todo conhecimento científico começa com um desafio: um enigma a ser decifrado! A natureza desafia: “Veja se você me decifra!” E aí os olhos e a inteligência do cientista se põem a trabalhar, para decifrar o enigma. Assim aconteceu com Kepler cuja inteligência brincava com o movimento dos planetas... Assim aconteceu com Galileu que, ao observar a natureza, tinha a suspeita de que ela falava uma linguagem que ele não entendia. Pôs-se então a observar e a pensar (ciência se faz com essas duas coisas, olho e cérebro!) até decifrar o enigma: a natureza fala a linguagem da matemática! E até hoje os cientistas continuam a brincar o mesmo brinquedo descoberto por Galileu. Aconteceu assim também com um monge chamado Mendel. No seu mosteiro havia uma horta onde cresciam ervilhas. Os outros monges, vendo as ervilhas, pensavam em sopa. Mas Mendel percebeu que elas escondiam um segredo. E ele tanto fez que acabou por descobrir o seu segredo que nos revelou o incrível mundo da genética. E não é esse mesmo jogo que faz a criança que está começando a aprender a ler? Ela olha para as palavras – ervilhas – e tenta decifrar a palavra que elas formam. Tudo é brinquedo!
Congressos de educação: a gente pensa logo em professores, psicólogos, “papers” científicos, filósofos... Estive em um, na Itália, diferente, onde havia muitas crianças. E havia uma oficina em que um “mestre” ensinava às crianças a arte de fazer brinquedos. Um deles era um par de pregos grandes, tortos, entrelaçados que, se a gente for inteligente, consegue separar. Gastei uns bons dez minutos lutando com os pregos, absorvido, inutilmente. De repente me perguntei: “Por que eu estou gastando o meu tempo com um par de pregos?” Eu lutava com os pregos pelo desafio. Eu queria provar que eu podia com eles... Repentinamente percebi que a primeira tarefa do professor é, à semelhança dos pregos, entortar a sua “disciplina” (ô, palavra feia, imprópria para uma escola! ) e para transformá-la num brinquedo que desafie a inteligência do aluno.Pois não é isso que são/fazem a matemática, a física, a química, a biologia, a história, o português? Brinquedos, desafios à inteligência. Mas, para isso, é claro, é preciso que o professor saiba brincar e tenha uma cara de criança, ao ensinar. Porque cara feia não combina com brinquedo...


Rubem Alves

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professores apaixonados

Professores e professoras apaixonadas acordam cedo e dormem tarde, movidos pela idéia fixa de que podem mover o mundo.
Apaixonados, esquecem a hora do almoço e do jantar: estão preocupados com as múltiplas fomes que, de múltiplas formas, debilitam as inteligências.
As professoras apaixonadas descobriram que há homens no magistério igualmente apaixonados pela arte de ensinar, que é a arte de dar contexto a todos os textos.
Não há pretextos que justifiquem, para os professores apaixonados, um grau a menos de paixão, e não vai nisso nem um pouco de romantismo barato.
Apaixonar-se sai caro! Os professores apaixonados, com ou sem carro, buzinam o silêncio comodista, dão carona para os alunos que moram mais longe do conhecimento, saem cantando o pneu da alegria.
Se estão apaixonados, e estão, fazem da sala de aula um espaço de cânticos, de ênfases, de sínteses que demonstram, pela via do contraste, o absurdo que é viver sem paixão, ensinar sem paixão.
Dá pena, dá compaixão ver o professor desapaixonado, sonhando acordado com a aposentadoria, contando nos dedos os dias que faltam para as suas férias, catando no calendário os próximos feriados.
Os professores apaixonados muito bem sabem das dificuldades, do desrespeito, das injustiças, até mesmo dos horrores que há na profissão. Mas o professor apaixonado não deixa de professar, e seu protesto é continuar amando apaixonadamente.
Continuar amando é não perder a fé, palavra pequena que não se dilui no café ralo, não foge pelo ralo, não se apaga como um traço de giz no quadro.
Ter fé impede que o medo esmague o amor, que as alienações antigas e novas substituam a lúcida esperança.
Dar aula não é contar piada, mas quem dá aula sem humor não está com nada, ensinar é uma forma de oração.
Não essa oração chacoalhar de palavras sem sentido, com voz melosa ou ríspida. Mera oração subordinada, e mais nada.
Os professores apaixonados querem tudo. Querem multiplicar o tempo, somar esforços, dividir os problemas para solucioná-los. Querem analisar a química da realidade. Querem traçar o mapa de inusitados tesouros.
Os olhos dos professores apaixonados brilham quando, no meio de uma explicação, percebem o sorriso do aluno que entendeu algo que ele mesmo, professor, não esperava explicar.
A paixão é inexplicável, bem sei. Mas é também indisfarçável.
* Gabriel Perissé é Mestre em Literatura Brasileira pela FFLCH-USP e doutor em Filosofia da Educação e doutorando em Pedagogia pela USP; é autor dos livros "Ler, pensar e escrever" (Ed. Arte e Ciência); "O leitor criativo" (Omega Editora); "Palavra e origens" (Editora Mandruvá); "O professor do futuro (Thex Editora). É Fundador da ONG Projeto Literário Mosaico ; É editor da Revista Internacional Videtur -Letras (www.hottopos.com/vdletras3/index.htm); é professor universitário, coordenador-geral da ong literária Projeto Literário Mosaico: www.escoladeescritores.org.br)