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domingo, 17 de julho de 2011

entrevista: trabalhar a poesia em sala de aula

Ao contrário do que possamos imaginar, metáforas e estruturas heterodoxas não são difíceis para as crianças


A poesia é um gênero quase natural para a infância. Ao contrário do que possamos imaginar, metáforas e estruturas heterodoxas não são difíceis para as crianças. O que são poemas, afinal, senão brincadeiras com palavras e sentidos? A seguir, o professor Hélder Pinheiro defende a leitura constante de poesia com os pequenos, na escola e em casa: "Os professores e a família têm um papel fundamental: cultivar a leitura e a audição de poesia, se possível, todos os dias. Por que gostamos de música? Porque a ouvimos cotidianamente". Especialista em literatura brasileira e, especificamente, poesia, Pinheiro concedeu uma entrevista exclusiva ao Educar sobre a importância desse gênero para as crianças.

Hélder Pinheiro é doutor em literatura brasileira pela Universidade de São Paulo e pós-doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais. Ensina literatura brasileira na Universidade Federal de Campina Grande (PB) e já publicou diversos livros e artigos sobre poesia. Entre eles, escreveu "Poesia na Sala de Aula" (Editora Ideia) e organizou "Poemas para crianças: reflexões, experiências e sugestões" (Editora Livraria Duas Cidades) e a coletânea "Pássaros e bichos na voz de poetas populares", que é altamente recomendada pela Fundação Nacional do Livro Infantil

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A poesia é um gênero literário menos disseminado? Por que?

Prof. Hélder Pinheiro : São várias questões: acho que a poesia não é apreciada pelas crianças porque a escola e a família trabalham pouco com poemas e, quando trabalham, ainda permanece o ranço de usar como pretexto para ensinar alguma coisa. Recentemente, observei coleções de livros didáticos voltados para 1º ao 5º ano e constatei esse mesmo problema de 15 ou 20 anos atrás. Saindo do âmbito escolar, a poesia de algum modo sempre está presente na vida das pessoas, mas ler poesia de um modo mais cotidiano, ainda está longe de acontecer.

Para a criança, qual é a diferença entre a leitura de poesia e a de prosa?

Prof. Hélder Pinheiro : Às vezes acho que a criança - estou pensando na criança pequena, até 8 ou 10 anos - não percebe muita diferença. E não se deve insistir, desde cedo, em conceitos, em especificidades. Mas, embora não saiba a diferença, a criança pode experimentar esses gêneros de modo diferente. Enquanto a prosa, a narrativa, tem um enredo, cativa o leitor ou ouvinte para o desenrolar de determinados fatos e acontecimentos, o poema é mais instantâneo. Uma criança que ouça: "A bela bola rola/a bela bola de Raul", de Cecília, muitas vezes devaneia a partir deste primeiro verso do poema. Imagina a bola rolando, o colorido das bolas, a brincadeira. Certamente, o encanto da poesia para criança está, sobretudo, no som. A musicalidade é fundamental para encantar as crianças - e os adultos também.

A poesia para crianças tem uma característica específica?

Prof. Hélder Pinheiro : A questão central é a musicalidade. E ela se dá dos mais diversos modos: assonâncias, aliterações, rimas e repetições de palavras são alguns dos procedimentos. Mas também há outros aspectos: uma poesia mais conceitual, com imagens mais abstratas, no geral, tende a não encantar muito a criança. No entanto, muitas vezes ela adora o som, embora não entenda nada do sentido. Portanto, tema e forma (ou estrutura) devem sempre vir bem casados, para que a significação seja sempre mais rica. Também a poesia para crianças não deve ser muito longa. Há que se ter cuidado também com o vocabulário: palavras muito rebuscadas muitas vezes tornam qualquer poema pernóstico. Não acho que deva haver facilitação, mas também nada de querer ensinar vocabulário a partir de poesia - o que até pode acontecer, mas naturalmente.

A leitura de poesia desde a infância pode influenciar positivamente o desenvolvimento da sensibilidade estética?

Prof. Hélder Pinheiro : Acredito que sim, mas é difícil aferir de modo muito preciso. Não basta trabalhar a poesia na infância e abandoná-la na pré-adolescência, na adolescência e na vida afora. A educação para a sensibilidade poética deverá ser um projeto para a vida inteira. Se ele começar bem na infância, teremos mais chances de ter um adulto mais sensível, eu creio. Neste sentido, acho que a escola e a família têm um papel fundamental: cultivar a leitura ou audição de poesia, se possível, todos os dias. Por que gostamos tanto de música? Por ouvimos cotidianamente. E mais: não só um tipo ou um modelo de poema. A diversidade é fundamental para que a criança crie parâmetros, vá descobrindo que tipo de texto mais lhe agrada. A vida é muito complexa, não existem garantias de que a poesia determine uma sensibilidade estética. Mas mesmo sem certezas muito absolutas, acredito muito na contribuição da poesia para nos tornar mais alegres, mais sensíveis, mais humanos, enfim.

Quais grandes autores brasileiros escreveram poemas para crianças?

Prof. Hélder Pinheiro : Para mim, a maior é ainda a Cecília Meireles. "Ou isto ou aquilo" é uma obra excepcional. Pode-se ver a influência dela em quase todos os poetas que escreveram poemas para crianças depois dela. Depois, considero Sidónio Muralha também grande neste ramo. "A dança dos picapaus" e "A televisão da bicharada" são obras primorosas. Tem também o Vinícius de Moraes com "A arca de Noé", obra que traz um estilo próprio, diferente da Cecília, mais brincalhão, mais atento ao mundo animal. Esses são a santíssima trindade da poesia para crianças no Brasil. Há outros grandes, como José Paulo Paes e Sérgio Caparelli, que trazem um toque diferenciado.

Pais e professores podem colocar as crianças em contato com a obra poética de grandes autores não necessariamente voltados para o público infantil, como Fernando Pessoa, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade?

Prof. Hélder Pinheiro : Em princípio, creio que sim. A questão é: como fazer essa aproximação. Os grandes poetas têm poemas que agradam a leitores de qualquer idade. Bandeira, Drummond, Cecília, entre outros, são exemplos disso - diversas antologias para crianças trazem poemas deles. Possivelmente, um poema como “Tabacaria”, de Fernando Pessoa, não irá chamar a atenção de crianças. Mas poderá ser uma descoberta para adolescentes. Por outro lado, há poemas mais herméticos que exigem maior desenvolvimento cognitivo, experiências de vida diferenciada, o que poderá dificultar esta aproximação. Mesmo poemas não muito fáceis de serem compreendidos, se tiverem uma musicalidade destacada, poderão agradar. É sempre bom lembrar que mesmo a criança tendo contato desde cedo com poesia que não lhe foi destinada, o modo de percepção, as razões que as levam a gostar serão diferenciadas. Certamente crianças acostumadas com a música da poesia, no momento adequado, saberão beber na fonte de grandes poetas. E é sempre bom lembrar: boa poesia para criança é boa poesia para qualquer leitor, inclusive o que se acha o mais crítico, o mais intelectualizado.

O senhor poderia citar seus autores e poemas favoritos para crianças?

Prof. Hélder Pinheiro : Há alguns poemas que me acompanham pela vida afora. Sempre trabalho com eles na disciplina Literatura infantil, aqui na UFCG. Por exemplo, "O colar de Carolina", "Leilão de jardim" e "O menino azul", de Cecília Meireles; gosto muito de um poema chamado "O girassol", de Elias José. Um dos meus preferidos é "A dança dos pica-paus", de Sidónio Muralha. "O pato", de Vinicius de Moraes. Talvez o mais clássico, de que todos gostam, seja "A bailarina", de Cecília Meireles. Todos eles são bastante musicais, retomam brincadeiras infantis e o mundo animal. Muitos alunos de graduação e professores relatam experiências com esses e outros poemas, trabalhados de modo lúdico, e os resultados são sempre muito gratificantes.

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professores apaixonados

Professores e professoras apaixonadas acordam cedo e dormem tarde, movidos pela idéia fixa de que podem mover o mundo.
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As professoras apaixonadas descobriram que há homens no magistério igualmente apaixonados pela arte de ensinar, que é a arte de dar contexto a todos os textos.
Não há pretextos que justifiquem, para os professores apaixonados, um grau a menos de paixão, e não vai nisso nem um pouco de romantismo barato.
Apaixonar-se sai caro! Os professores apaixonados, com ou sem carro, buzinam o silêncio comodista, dão carona para os alunos que moram mais longe do conhecimento, saem cantando o pneu da alegria.
Se estão apaixonados, e estão, fazem da sala de aula um espaço de cânticos, de ênfases, de sínteses que demonstram, pela via do contraste, o absurdo que é viver sem paixão, ensinar sem paixão.
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Continuar amando é não perder a fé, palavra pequena que não se dilui no café ralo, não foge pelo ralo, não se apaga como um traço de giz no quadro.
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Os olhos dos professores apaixonados brilham quando, no meio de uma explicação, percebem o sorriso do aluno que entendeu algo que ele mesmo, professor, não esperava explicar.
A paixão é inexplicável, bem sei. Mas é também indisfarçável.
* Gabriel Perissé é Mestre em Literatura Brasileira pela FFLCH-USP e doutor em Filosofia da Educação e doutorando em Pedagogia pela USP; é autor dos livros "Ler, pensar e escrever" (Ed. Arte e Ciência); "O leitor criativo" (Omega Editora); "Palavra e origens" (Editora Mandruvá); "O professor do futuro (Thex Editora). É Fundador da ONG Projeto Literário Mosaico ; É editor da Revista Internacional Videtur -Letras (www.hottopos.com/vdletras3/index.htm); é professor universitário, coordenador-geral da ong literária Projeto Literário Mosaico: www.escoladeescritores.org.br)