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sábado, 11 de fevereiro de 2012

Valores nas instituições escolares: ensino ou formação?

*Marcos Cordiolli

A resposta mais direta poderia ser: os professores formam valores quando transformam pessoas. Mas creio que só isto não basta. Por outro lado, também penso que não se faça possível uma demarcação clara entre uma coisa e outra.
A insistência em separar ensino de formação não se constitui num mero artefato teórico, mas retoma a necessidade de compreender as diferenças entre estas duas dimensões do processo educativo na organização do trabalho pedagógico, mesmo que muitas vezes caminhem juntas no cotidiano das instituições escolares. Mas, há situações em se conformam dois campos de ações pedagógicas distintas, que podem se desenvolver simultaneamente. Eu penso que são processo com identidades distintas, que, no limite, altera a identidade de todo o processo pedagógico.

A minha provocação, deve-se a práticas que vejo em muitas escolas nas quais as pessoas tende a incluir os valores e padrões de conduta como “mais alguns conteúdos” e com a natureza não distinta dos demais.

Esta visão inclusive está presente na tradição curricular brasileira, pois desde de 1925 os valores e condutas constituíam uma disciplina a parte e geralmente associada ou articulada ao civismo (a antiga Educação Moral e Cívica).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o Ensino Fundamental, de certa forma, romperam esta tradição. A primeira versão dos PCNs, apresentou um documento denominado “Ética e convívio social”, distinto dos Blocos de Conteúdos (Língua Portuguesa, Matemática, Geografia, Ensino da Arte, Educação Física, Ciências Naturais e História). Nas versões mais recentes, inclusive na definitiva foram nomeados de “Temas Transversais”. Portanto, os PCNs para o Ensino Fundamental apresentam dois programas, um de ensino (os Blocos de Conteúdos) e outro de formação de valores e condutas (os Temas Transversais).

A escola brasileira, no entanto, lidou mal com isto. Numa primeira fase, não foram poucas as escolas que incluíram disciplinas com a mesma denominação dos Temas Transversais (principalmente Ética, Meio Ambiente, Saúde e Orientação Sexual). Depois, ao perceberem que não se tratava de disciplinas passam a organizar os Blocos de Conteúdos através de temas geradores com os mesmo títulos dos Temas Transversais, organizando as atividades e seqüências didáticas com base nos temas da Ética, da
Orientação Sexual etc.

As instituições escolares produzem belos trabalhos sobre orientação sexual, mas que tratam apenas do aparelho reprodutor humano, das formas de prevenção da gravidez ou doenças sexualmente transmissíveis. Estudam as diferentes formas de reciclagem do lixo ou apresentam instigativas propostas para resolução de problemas sociais.

Estas questões são importantes, mas pertencem ao domínio da disciplina de Ciências Naturais ou de Geografia. O seu estudo, sem dúvida, ajuda a formar valores ou a mudar condutas, mas não havendo ações dirigidas para isto, continuamos a ensinar, portanto no campo dos blocos de conteúdos e não a formar valores.

As ações transversais precisariam se constituir de ações dirigidas com objetivos permanentes e reincidentes para que de fatos os alunos e alunas mudem posturas. Como no caso da orientação sexual, não se trata apenas de “relações sexuais”, mas das formas como os alunos representam as questões sexuais e com se relacionam entre si, não no sentido estritamente sexual do termo. Os processos pedagógicos devem promover tanto apresentação de informações como também em constituir uma noção de prazer, de relacionamento entre pessoas, de concepção de afetividade etc.

As atividades de tipo “ensino” podem reforçar ou “abrir caminho”, mas não garantem isoladamente a formação de valores. Uma aluna, do curso de pedagogia, certa vez comentou que ao ensinar sobre valores para os seus alunos de primeira série ela ficava bastante frustrada, pois estas crianças respondiam corretamente (nas atividades por escrito e oral) o que eram os valores. No entanto ela percebia que estes alunos não praticavam estes (ou alguns destes) mesmos valores.

Cabe então perguntar: em que medida determinada atividade consegue atingir os alunos e como podemos avaliar estas mudanças? Em muitos casos, penso eu, os alunos aprendem a responder o que o professor deseja ou espera. Assim parece-me comum às situações em que alunos concordam com as posições dos professores, mas não chegam a internaliza-las.
Certa vez eu fui encarregado pelos colegas de submeter os alunos e alunas do colégio, em que trabalhava, a um questionário sobre participação em movimentos sociais.

Por engano entreguei os questionários ao professor de geografia e de história de uma mesma turma da oitava série. Por alguma razão eles não avisaram o professor que já haviam respondido o questionário e tornaram a fazê-lo.

Isto não me pareceu grave pelo contrário vi nisto até uma boa situação, pois poderia excluir os questionários respondidos de forma insatisfatória.

Mas fiquei muito surpreso ao perceber que a maioria da turma adotava dois discursos distintos, um para cada professor. Para um dos professores afirmavam que as pessoas deveriam ir a luta, recusarem-se a ser exploradas etc. Para o outro as respostas estavam associadas à responsabilidade, a ordem, a legalidade. Em ambos os casos pareciam (e de fato o eram) que os professores falavam pelo texto dos alunos. Aqui está um caso em que os alunos “aprenderam” sobre valores mas não os internalizaram.

Mas isto não significa que não devemos falar sobre ou ensinar valores. Precisamos compreender que este processo tem um alcance formativo limitado, podendo evidentemente contribuir com os alunos que potencialmente tendem para aquele valor, em função de suas próprias concepções.

Vou propor algo um tanto perigoso – vamos ensaiar uma pequena tipologia para o ensino e/ou formação de valores:

[a] o professor trata de valores em sala de aula, mas os alunos não refletem estes valores;
[b] os alunos dizem concordar com as posições do professor, mas este percebe que isto não ocorre de fato;
[c] os alunos ficam sensibilizados, mas passando um certo tempo distanciam dos valores e condutas “aprendidos”; e
[d] alunos que já estavam sensibilizados ou que o são fortemente influenciada pela atividade dirigida pelo professor internalizam o valor ou a conduta.

As atividades de tipo ensino – com explanação, análise critica, exames de metáforas, por exemplo –, sobre valores até alteraram o comportamento imediato dos alunos, mas estas mudanças podem não se sustentar. Mas esta sensibilização pode vir a se constituir num processo formativo caso seja potencializado por outras atividades permanentes e reincidentes. Com isto refiro-me a atividades dirigidas pelos professores que visam desestabilizar certos valores ou condutas ou então reforçar outros que ocorrem ao longo do processo escolar – daí o conceito de transversalidade. Muitas vezes não são atividades explicitas, mas indiretas, como atividades cooperativas. Outras vezes são atividades mobilizadoras como, por exemplo, a organização de campanhas para que as comunidades ou a escola passem a separar o lixo.

Ainda temos que examinar a situação de justaposições entre pontos dos blocos de conteúdos (ou disciplinas escolares) com itens dos Temas Transversais. Por exemplo, é comum ensinar sobre o sistema reprodutivo humano achando que está praticando o tema de orientação sexual; ensinar sobre preconceito em situações históricas como se tratasse da multiculturalidade. Embora as estas informações sejam importante para o tema transversal elas estão ligadas à disciplina de Ciências da Natureza ou de História, respectivamente. O referido tema transversal requer a problematização das condutas e valores sobre sexualidade e discriminação, que pode necessitar dos pontos de disciplinas. Mas os resultados são distintos, pois aprender sobre o sistema reprodutivo não garante que as pessoas vão internalizar certos valores e condutas sobre a sexualidade. Já o processo formativo (e neste sentido transversal) para mudar valores pode requerer que se ensine sobre o sistema reprodutivo humano. Ainda um outro exemplo: ensinar sobre a Amazônia, poluição,desmatamento etc, não muda a cultura das pessoas para uma atuação preservacionista e não predatória da natureza e pode sensibilizar, mas efetivamente pode não formar valores ambientalistas.

A formação de valores e condutas se constitui num importante dilema pedagógico, pois está na essência de todo processo educativo. Portanto é necessário examiná- lo com intensidade pois sem ele não se produz os processos educativos.

Marcos Cordiolli - é historiador (UFPR) mestre em educação (PUCSP).
Professor e conferencista. É produtor de cinema e estuda fotografia.

Contatos com o autor:
E-mail: marcos.cordiolli@gmail.com

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professores apaixonados

Professores e professoras apaixonadas acordam cedo e dormem tarde, movidos pela idéia fixa de que podem mover o mundo.
Apaixonados, esquecem a hora do almoço e do jantar: estão preocupados com as múltiplas fomes que, de múltiplas formas, debilitam as inteligências.
As professoras apaixonadas descobriram que há homens no magistério igualmente apaixonados pela arte de ensinar, que é a arte de dar contexto a todos os textos.
Não há pretextos que justifiquem, para os professores apaixonados, um grau a menos de paixão, e não vai nisso nem um pouco de romantismo barato.
Apaixonar-se sai caro! Os professores apaixonados, com ou sem carro, buzinam o silêncio comodista, dão carona para os alunos que moram mais longe do conhecimento, saem cantando o pneu da alegria.
Se estão apaixonados, e estão, fazem da sala de aula um espaço de cânticos, de ênfases, de sínteses que demonstram, pela via do contraste, o absurdo que é viver sem paixão, ensinar sem paixão.
Dá pena, dá compaixão ver o professor desapaixonado, sonhando acordado com a aposentadoria, contando nos dedos os dias que faltam para as suas férias, catando no calendário os próximos feriados.
Os professores apaixonados muito bem sabem das dificuldades, do desrespeito, das injustiças, até mesmo dos horrores que há na profissão. Mas o professor apaixonado não deixa de professar, e seu protesto é continuar amando apaixonadamente.
Continuar amando é não perder a fé, palavra pequena que não se dilui no café ralo, não foge pelo ralo, não se apaga como um traço de giz no quadro.
Ter fé impede que o medo esmague o amor, que as alienações antigas e novas substituam a lúcida esperança.
Dar aula não é contar piada, mas quem dá aula sem humor não está com nada, ensinar é uma forma de oração.
Não essa oração chacoalhar de palavras sem sentido, com voz melosa ou ríspida. Mera oração subordinada, e mais nada.
Os professores apaixonados querem tudo. Querem multiplicar o tempo, somar esforços, dividir os problemas para solucioná-los. Querem analisar a química da realidade. Querem traçar o mapa de inusitados tesouros.
Os olhos dos professores apaixonados brilham quando, no meio de uma explicação, percebem o sorriso do aluno que entendeu algo que ele mesmo, professor, não esperava explicar.
A paixão é inexplicável, bem sei. Mas é também indisfarçável.
* Gabriel Perissé é Mestre em Literatura Brasileira pela FFLCH-USP e doutor em Filosofia da Educação e doutorando em Pedagogia pela USP; é autor dos livros "Ler, pensar e escrever" (Ed. Arte e Ciência); "O leitor criativo" (Omega Editora); "Palavra e origens" (Editora Mandruvá); "O professor do futuro (Thex Editora). É Fundador da ONG Projeto Literário Mosaico ; É editor da Revista Internacional Videtur -Letras (www.hottopos.com/vdletras3/index.htm); é professor universitário, coordenador-geral da ong literária Projeto Literário Mosaico: www.escoladeescritores.org.br)