1) Ler e interpretar textos de diferentes gêneros,
refletindo sobre a questão do trabalho infantil.
2) Conhecer e compreender a função do Estatuto da Criança e
do Adolescente.
3) Produzir textos a partir da reflexão realizada.
Ponto de partida
Na escuridão miserável
Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no
Jardim Botânico. Senti que alguém me observava enquanto punha o motor em
movimento. Voltei-me e dei com uns olhos grandes e parados como os de um bicho,
a me espiar através do vidro da janela junto ao meio-fio. Eram de uma negrinha
mirrada, raquítica, um fiapo de gente encostado ao poste como um animalzinho,
não teria mais que uns sete anos. Inclinei-me sobre o banco, abaixando o vidro:
- O que foi, minha filha? - perguntei, naturalmente,
pensando tratar-se de esmola.
- Nada não senhor - respondeu-me, a medo, um fio de voz
infantil.
- O que é que você está me olhando aí?
- Nada não senhor - repetiu. - Tou esperando o ônibus...
- Onde é que você mora?
- Na Praia do Pinto.
- Vou para aquele lado. Quer uma carona?
Ela vacilou, intimidada. Insisti, abrindo a porta:
- Entra aí, que eu te levo.
Acabou entrando, sentou-se na pontinha do banco, e enquanto
o carro ganhava velocidade ia olhando duro para a frente, não ousava fazer o
menor movimento. Tentei puxar conversa:
- Como é o seu nome?
- Teresa.
- Quantos anos você tem, Teresa?
- Dez.
- E o que estava fazendo ali, tão longe de casa?
- A casa da minha patroa é ali.
- Patroa? Que patroa?
Pela sua resposta, pude entender que trabalhava na casa de
uma família no Jardim Botânico: lavava roupa, varria a casa, servia a mesa.
Entrava às sete da manhã, saía às oito da noite.
- Hoje saí mais cedo. Foi 'jantarado'.
- Você já jantou?
- Não. Eu almocei.
- Você não almoça todo dia?
- Quando tem comida pra levar de casa eu almoço: mamãe faz
um embrulho de comida pra mim.
- E quando não tem?
- Quando não tem, não tem - e ela até parecia sorrir, me
olhando pela primeira vez. Na penumbra do carro, suas feições de criança,
esquálidas, encardidas de pobreza, podiam ser as de uma velha. Eu não me
continha mais de aflição, pensando nos meus filhos bem nutridos - um engasgo na
garganta me afogava no que os homens experimentados chamam de sentimentalismo
burguês.
- Mas não te dão comida lá? - perguntei, revoltado.
- Quando eu peço eles dão. Mas descontam no ordenado. Mamãe
disse pra eu não pedir.
- E quanto é que você ganha?
Diminuí a marcha, assombrado, quase parei o carro! Ela
mencionara uma importância ridícula, uma ninharia, não mais que alguns
trocados. Meu impulso era voltar, bater na porta da tal mulher e meter-lhe a
mão na cara.
- Como é que você foi parar na casa dessa... foi parar nessa
casa? - perguntei ainda, enquanto o carro, ao fim de uma rua do Leblon, se
aproximava das vielas da Praia do Pinto. Ela disparou a falar:
- Eu estava na feira com mamãe e então a madame pediu para
eu carregar as compras. E aí no outro dia pediu a mamãe pra eu trabalhar na
casa dela, então mamãe deixou porque mamãe não pode deixar os filhos todos sozinhos
e lá em casa é sete meninos fora dois grandes que já são soldados. Pode parar
que é aqui moço, obrigado.
Mal detive o carro, ela abriu a porta e saltou, saiu
correndo, perdeu-se logo na escuridão miserável da Praia do Pinto.
(SABINO, Fernando. A companheira de viagem. 10ª ed. Rio de
Janeiro, Record, 1987. p. 135-7.)
Texto 2
Meninos carvoeiros
Os meninos carvoeiros
Passam a caminho da cidade.
- Eh, carvoero!
E vão tocando os animais com um relho enorme.
Os burros são magrinhos e velhos.
Cada um leva seis sacos de carvão de lenha.
A aniagem é toda remendada.
Os carvões caem.
(Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe,
dobrando-se com um gemido.)
- Eh, carvoero!
Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com estes burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles...
Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!
- Eh, carvoero!
Quando voltam, vêm mordendo num pão encarvoado,
Encarapitados nas alimárias,
Apostando corrida,
Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos
desamparados.
[Petrópolis, 1921]
(BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1993.)
Vocabulário
•Aniagem: pano grosseiro sem acabamento, de juta ou outra
fibra vegetal.
•Raquítico: pouco desenvolvido, franzino, magrinho.
•Encarapitado: colocado ou acomodado no alto.
•Alimária: animal de carga.
•Cangalha: peça de três paus, unidos em triângulo, que se
enfia no pescoço dos animais, normalmente porcos, para não destruírem hortas
cultivadas.
•Relho: chicote de couro torcido.
texto 3
ESTATUTO DO HOMEM
(Ato Institucional
Permanente)
A
Carlos Heitor Cony
Artigo I
Fica decretado que
agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos
pela vida verdadeira.
Artigo II
Fica decretado que
todos os dias da semana,
inclusive as
terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a
converter-se em manhãs de domingo.
Artigo III
Fica decretado que,
a partir deste instante,
haverá girassóis em
todas as janelas,
que os girassóis
terão direito
a abrir-se dentro
da sombra;
e que as janelas
devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o
verde onde cresce a esperança.
Artigo IV
Fica decretado que
o homem
não precisará nunca
mais
duvidar do homem.
Que o homem
confiará no homem
como a palmeira
confia no vento,
como o vento confia
no ar,
como o ar confia no
campo azul do céu.
Parágrafo
único:
O homem,
confiará no homem
como um
menino confia em outro menino.
Artigo V
Fica decretado que
os homens
estão livres do
jugo da mentira.
Nunca mais será
preciso usar
a couraça do
silêncio
nem a armadura de
palavras.
O homem se sentará
à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade
passará a ser servida
antes da sobremesa.
Artigo VI
Fica estabelecida,
durante dez séculos,
a prática sonhada
pelo profeta Isaías,
e o lobo e o
cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos
terá o mesmo gosto de aurora.
Artigo VII
Por decreto
irrevogável fica estabelecido
o reinado
permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será
uma bandeira generosa
para sempre
desfraldada na alma do povo.
Artigo VIII
Fica decretado que
a maior dor
sempre foi e será
sempre
não poder dar-se
amor a quem se ama
e saber que é a
água
que dá à planta o
milagre da flor.
Artigo IX
Fica permitido que
o pão de cada dia
tenha no homem o
sinal de seu suor.
Mas que sobretudo
tenha
sempre o quente
sabor da ternura.
Artigo X
Fica permitido a
qualquer pessoa,
qualquer hora da
vida,
o uso do traje
branco.
Artigo XI
Fica decretado, por
definição,
que o homem é um
animal que ama
e que por isso é
belo,
muito mais belo que
a estrela da manhã.
Artigo XII
Decreta-se que nada
será obrigado
nem proibido,
tudo será
permitido,
inclusive brincar
com os rinocerontes
e caminhar pelas
tardes
com uma imensa
begônia na lapela.
Parágrafo
único:
Só uma coisa
fica proibida:
amar sem
amor.
Artigo XIII
Fica decretado que
o dinheiro
não poderá nunca
mais comprar
o sol das manhãs
vindouras.
Expulso do grande
baú do medo,
o dinheiro se
transformará em uma espada fraternal
para defender o
direito de cantar
e a festa do dia
que chegou.
Artigo Final.
Fica proibido o uso
da palavra liberdade,
a qual será
suprimida dos dicionários
e do pântano
enganoso das bocas.
A partir deste
instante
a liberdade será
algo vivo e transparente
como um fogo ou um
rio,
e a sua morada será
sempre
o coração do homem.
Thiago de Mello - Santiago do Chile, abril de 1964
Estratégias
1) Ler e interpretar os textos 1 e 2, salientando a questão
do trabalho infantil.
2) Ler o Estatuto da Criança e do Adolescente, focalizando a
questão do trabalho infantil e outros temas de interesse da turma.
3) Reler os textos 1 e 2 e refletir sobre a condição das
personagens. Se possível, pedir para os alunos trazerem notícias e outros
textos sobre trabalho infantil e sobre temas tratados no Estatuto da Criança e
do Adolescente.
4) Produzir poemas, músicas, artigos de opinião ou textos de
outros gêneros, já estudados pelos alunos, sobre a reflexão realizada. É
importante que os alunos apresentem e divulguem os textos produzidos.
5)ler o estatuto do homem e comparar.
6)refletir sobre o que é mais importante para o ser humano.
fechamento
Após a leitura e
análise das obras, pedir para os alunos produzirem artigos poéticos ilustrados,
baseados no estudo realizado em sala.
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