O menino e o
arco-íris
Era uma vez
um menino curioso e entediado. Começou assustando-se com as cadeiras, as mesas
e os demais objetos domésticos. Apalpava-os, mordia-os e jogava-os no chão:
esperava certamente uma resposta que os objetos não lhe davam. Descobriu alguns
objetos mais interessantes que os sapatos: os copos – estes, quando atirados ao
chão, quebravam-se. Já era alguma coisa, pelo menos não permaneciam os mesmos
depois da ação. Mas logo o menino (que era profundamente entediado) cansou-se
dos copos: no fim de tudo era vidro e só vidro.
Mais tarde
pôde passar para o quintal e descobriu as galinhas e as plantas. Já eram mais
interessantes, sobretudo as galinhas, que falavam uma língua incompreensível e
bicavam a terra. Conheceu o peru, a galinha-d´Angola e o pavão. Mas logo se
acostumou a todos eles, e continuou entediado como sempre.
Não pensava, não indagava com
palavras, mas explorava sem cessar a realidade.
Quando pôde
sair à rua, teve novas esperanças: um dia escapou e percorreu o maior espaço
possível, ruas, praças, largos onde meninos jogavam futebol, viu igrejas, automóveis e
um trator que modificava um terreno. Perdeu-se. Fugiu outra vez para ver o
trator trabalhando. Mas eis que o trabalho do trator deu na banalidade:
canteiros para flores convencionais, um coreto etc. E o menino cansou-se da
rua, voltou para o seu quintal.
O tédio
levou o menino aos jogos de azar, aos banhos de mar e às viagens para a outra
margem do rio. A margem de lá era igual à de cá. O menino cresceu e, no amor
como no cinema, não encontrou o que procurava. Um dia, passando por um córrego,
viu que as águas eram coloridas. Desceu pela margem, examinou: eram coloridas!
Desde então,
todos os dias dava um jeito de ir ver as cores do córrego. Mas quando alguém
lhe disse que o colorido das águas provinha de uma lavanderia próxima, começou
a gritar que não, que as águas vinham do arco-íris. Foi recolhido ao manicômio.
E daí?
(GULLAR,
Ferreira. O menino e o arco-íris. São Paulo: Ática, 2001. p. 5)
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