Seguidores: é só clicar em seguir! Não precisa ter blog, só qualquer end. do Google.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Texto e interpretação: A cidade e os bichos

Esforços para tornar menos
dura a vida animal na metrópole

Ivan Angelo

Na última crônica, falei da trágica dedicação de um cão a seu dono, e posso ter deixado a impressão de que a humanidade é ingrata, maltrata os animais, ou não paga amor com amor.
Não é isso. O que acontece é que o ambiente urbano foi afastando aos poucos o homem dos alados, quadrúpedes e bípedes, emplumados ou peludos, com os quais convivia. Sumiram não apenas do convívio, mas de vista. Meninos nunca viram um frango vivo, só o conhecem como um item das compras de supermercado; cabritos, cavalos, bois e burricos são seres da televisão, como os ETs. Para muitas crianças, bichos como coelho, gato e pica-pau são personagens falantes de desenho animado, geralmente histéricos, cujo comportamento e caráter nada têm a ver com os apresentados pelos animais de verdade.
Capivaras e garças recusam-se a ser expulsas da cidade. Quando vim para São Paulo, descobriu-se uma enorme preguiça no Parque Trianon. Jacarés apareceram no Tietê. Aves peregrinas, como o falcão da Groenlândia, visitam a cidade. Bandos de jandaias fazem algazarra nas árvores de frutas dos Jardins. Há tempos falei de um pássaro que não conhecia, "cinza-esverdeado, pés e bico como os de um periquito, pequeno penacho espetado na cabeça, como o de um pavão", que se instalou algumas vezes na viga do 11º andar do prédio onde moro, para apreciar o pôr-do-sol junto comigo. Sumiu, mas recentemente desfiz o mistério ao ver um igual numa loja de rações da Vila Madalena: informaram-me que era uma calopsita, grande periquito nativo da Austrália. Por que ela estaria voando solta pelo bairro de Perdizes?
Iguanas, cobras, furões, tartarugas vão-se tornando bichos de estimação na cidade de carentes. O cão é o preferido, e muitos são criados como pessoas da família, mas quem não pode ter um, por alguma razão, recorre a animais silenciosos. Gatos domésticos vão rareando, não se sabe por quê, e seus irmãos vadios encontram quem lhes dê iscas nos parques da cidade.
Na metrópole atribulada existem muitos exemplos de afeição desinteressada. Todos conhecem um. Tenho um amigo que cria galinhas, poleiro cheio, e nunca teve coragem de comer nenhuma. Logo galinha, bicho que não troca nada com ninguém, não tem cabeça para isso. Uma professora de balé leva o cágado a passear na calçada, para tomar sol.
Um veterinário criava no jardim de casa uns moluscos gigantescos, caracóis de quase 100 gramas. Foi ele quem recebeu de bom grado os três micos que um conhecido jornalista costumava levar emaranhados na própria cabeleira de estilo hippie, e dos quais desistiu quando trocou de namorada. Esse doutor recebe em casa bichos acidentados, e deles cuida pelo resto da vida. Quem vai querer um cachorro manco, um pássaro de asa quebrada, um gato cego? Só ele.
E tem o caso da jovem gaúcha que, em cena sensacional, parou o trânsito na saída do túnel da Nove de Julho para salvar um cavalo que corria solto e apavorado de um lado para o outro, em meio a buzinas e freadas. Ela estacionou o carro na calçada e correu atrás do animal, para agarrá-lo; o cavalo mudava de rumo, quase infartando. A moça não tinha com que segurá-lo, e os dois resvalavam nos carros na correria; motoristas gritavam olé, outros aplaudiam. Um caminhoneiro estendeu-lhe um pedaço de corda, com o qual ela improvisou um laço. Depois de quatro tentativas, laçou o bicho. Palmas e buzinaço. Irritada, ela abanou as mãos, pedindo silêncio. Conseguiu chegar perto do cavalo, falando com ele, murmurando, acalmando-o, logo acariciando-o, depois tirou a blusa, jogou-a sobre os olhos do animal e, só de sutiã, belíssima, conduziu-o docemente para a calçada.

1. O cronista inicia explicando para o leitor os motivos que o levam a retomar o assunto da última crônica.
a) Qual é o assunto retomado pelo cronista?
b) Qual o motivo de sua preocupação?

2. No segundo parágrafo, o cronista expõe o seu ponto de vista sobre o assunto.
a) O que ele defende?
b) Que exemplos da realidade urbana são empregados para confirmar o ponto de vista do cronista?

3. O cronista afirma que determinados animais recusam-se a ser expulsos da cidade, mesmo quando o ambiente lhes é desfavorável.
a) Na sua opinião, o que causa a expulsão dos animais dos grandes centros urbanos?
b) Quem pode ser o responsável pela ação de expulsar os animais da cidade?
c) Segundo o cronista, quais as conseqüências desse afastamento para as pessoas que vivem nas grandes cidades?
d) Estabeleça uma condição para que seja possível uma boa integração entre os animais e os centros urbanos.

4. O que torna o desfecho do texto surpreendente e original?

5. O que a apresentação desse fato permite concluir sobre a relação de algumas pessoas com os animais?

6. Na sua opinião, qual a importância de o cronista afirmar que n ambiente urbano há meninos que nunca viram um frango vivo e só conhecem alguns animais como personagens de desenho animado

7. A crônica foi publicada no suplemento de uma revista que circula em um grande cetro urbano – a cidade de São Paulo. Considerando os leitores a quem o texto é dirigido, você acha adequado o assunto tratado pelo cronista?
8. O cronista expõe os argumentos de forma subjetiva (pessoal) ou de forma objetiva (impessoal)?
9. Que sentido você atribui ao subtítulo da crônica (“Esforços para tornar menos dura a vida animal na metrópole”)?

Um comentário:

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *

professores apaixonados

Professores e professoras apaixonadas acordam cedo e dormem tarde, movidos pela idéia fixa de que podem mover o mundo.
Apaixonados, esquecem a hora do almoço e do jantar: estão preocupados com as múltiplas fomes que, de múltiplas formas, debilitam as inteligências.
As professoras apaixonadas descobriram que há homens no magistério igualmente apaixonados pela arte de ensinar, que é a arte de dar contexto a todos os textos.
Não há pretextos que justifiquem, para os professores apaixonados, um grau a menos de paixão, e não vai nisso nem um pouco de romantismo barato.
Apaixonar-se sai caro! Os professores apaixonados, com ou sem carro, buzinam o silêncio comodista, dão carona para os alunos que moram mais longe do conhecimento, saem cantando o pneu da alegria.
Se estão apaixonados, e estão, fazem da sala de aula um espaço de cânticos, de ênfases, de sínteses que demonstram, pela via do contraste, o absurdo que é viver sem paixão, ensinar sem paixão.
Dá pena, dá compaixão ver o professor desapaixonado, sonhando acordado com a aposentadoria, contando nos dedos os dias que faltam para as suas férias, catando no calendário os próximos feriados.
Os professores apaixonados muito bem sabem das dificuldades, do desrespeito, das injustiças, até mesmo dos horrores que há na profissão. Mas o professor apaixonado não deixa de professar, e seu protesto é continuar amando apaixonadamente.
Continuar amando é não perder a fé, palavra pequena que não se dilui no café ralo, não foge pelo ralo, não se apaga como um traço de giz no quadro.
Ter fé impede que o medo esmague o amor, que as alienações antigas e novas substituam a lúcida esperança.
Dar aula não é contar piada, mas quem dá aula sem humor não está com nada, ensinar é uma forma de oração.
Não essa oração chacoalhar de palavras sem sentido, com voz melosa ou ríspida. Mera oração subordinada, e mais nada.
Os professores apaixonados querem tudo. Querem multiplicar o tempo, somar esforços, dividir os problemas para solucioná-los. Querem analisar a química da realidade. Querem traçar o mapa de inusitados tesouros.
Os olhos dos professores apaixonados brilham quando, no meio de uma explicação, percebem o sorriso do aluno que entendeu algo que ele mesmo, professor, não esperava explicar.
A paixão é inexplicável, bem sei. Mas é também indisfarçável.
* Gabriel Perissé é Mestre em Literatura Brasileira pela FFLCH-USP e doutor em Filosofia da Educação e doutorando em Pedagogia pela USP; é autor dos livros "Ler, pensar e escrever" (Ed. Arte e Ciência); "O leitor criativo" (Omega Editora); "Palavra e origens" (Editora Mandruvá); "O professor do futuro (Thex Editora). É Fundador da ONG Projeto Literário Mosaico ; É editor da Revista Internacional Videtur -Letras (www.hottopos.com/vdletras3/index.htm); é professor universitário, coordenador-geral da ong literária Projeto Literário Mosaico: www.escoladeescritores.org.br)